domingo, 6 de julho de 2025

Watchmen

  JANUNCIO ARAUJO DE MEDEIROS JUNIOR

 

Lançado em 2009, o filme é uma adaptação cinematográfica da graphic novel, considerada uma das mais influentes obras dos quadrinhos, ganhadora de diversas premiações (4 Kirby Awards, 4 Eisner Awards e 7 Harvey Awards), do autor Alan Moore.

Se passando durante a Guerra Fria, a história se passa nos anos 1980, quando não se é mais permitido agir como um super-herói. A trama gira em torno de uma investigação por um vigilante mascarado denominado Rorschach, que está investigando a morte de um de seu antigo parceiro combatente do crime. Ao decorrer da trama, ele vai ao encontro de seus ex-parceiros vigilantes (Ozymandias, Dr Manhattan, Espectral e Coruja) para alertar sobre o assassinato, pois acredita-se que esse assassinato não é um caso isolado e sim uma conspiração para  matar os demais vigilantes. Durante as investigações, Rorschach junto com os demais vigilantes descobrem que não se trata apenas de assassinatos de heróis, e sim, algo muito maior podendo alterar o destino do planeta terra.

O filme é dirigido por Zack Snyder, famoso pelo seu estilo sombrio, que mantém os impactos filosóficos, sociais, políticos e até espirituais na sociedade presente na história em quadrinhos. Além disso, faz questionar a moralidade por trás do conceito de “justiça”, apresenta personagens com profundos dilemas éticos e discute temas como poder absoluto, controle político e o valor da vida humana. Os personagens não os típicos Super-heróis, perfeitos, todos eles estão com conflitos internos, não se tratava apenas de seres super poderosos e sem problemas sempre lutando contra o mal, mas também de pessoas normais com questões e feridas em aberto.

O tom do filme é sombrio, uma estética escura e hiper detalhada, respeitando o visual da HQ, com cenas que parecem sair diretamente das páginas, como algumas “splash pages” - termo bastante utilizado por leitores para se referir a uma página inteira dedicada a uma única cena ou imagem impactante. 

A obra divide opiniões dos fãs até hoje. Alguns elogiaram sua fidelidade estética e narrativa com a HQ, já outros acharam a adaptação fria, longa e excessivamente visual. Não se pode aguardar a todos, principalmente quando se trata de Zack Snyder - o que falar de “Batman vs Superman”, não é mesmo?

sábado, 5 de julho de 2025

Promethea #26

André Luís Araujo


 Se o mundo acabar, que seja num balão de fala. Um balão desses flutuantes, entre o simbólico e o místico, como aqueles que orbitam as páginas da Promethea de Alan Moore. Porque quando Moore escreve o fim, ele não escreve um ponto final: ele desenha uma espiral. E em Promethea #26, essa espiral se fecha sobre si mesma para recomeçar, não o universo, mas o entendimento sobre ele.

No derradeiro capítulo da saga, não assistimos a um cataclismo, mas a uma catarse. A humanidade não é destruída, é despertada. Moore nos obriga a pensar que o “apocalipse”, do grego apokálypsis, "revelação", talvez nunca tenha sido um fim literal, mas a súbita iluminação do que sempre esteve diante de nós: a ficção que chamamos de real.

A Promethea que guia a narrativa é mais do que personagem: é arquétipo. Ela é a ideia viva, a personificação do logos criativo, a manifestação de Sophia, a sabedoria. E nesta edição, ela desce à cidade (como quem desce à matéria) para revelar que a imaginação não é evasão, mas poder. Um poder tão vasto que pode, literalmente, reescrever o mundo.

Em diálogo com o hermetismo, a cabala, a tradição gnóstica e a metafísica da linguagem, Promethea #26 opera como um grimório moderno. Cada quadro é uma invocação, cada fala uma chave de abertura para um estado expandido de consciência. As ruas de Nova York se tornam um campo simbólico, onde figuras mitológicas e deuses pós-modernos disputam narrativas. A divindade não desce dos céus, ela emerge da linguagem, da arte, da imaginação humana.

O mais subversivo, porém, não está nas pirotecnias visuais ou nos diálogos sobre misticismo: está na ideia de que o mundo, como o conhecemos, termina quando compreendemos que o construímos com palavras. “O mundo vai acabar às 11h30 de quarta-feira. É melhor você ter algo para dizer.” É assim que se decreta o fim: como um convite à fala, à criação, à autoria do real.

Neste sentido, a HQ não é apenas literatura gráfica, é um ritual de iniciação. Um rito que nos apresenta à Promethea como musa e como método: sonhar como resistência, imaginar como revolução. E o mais radical dos atos criativos, parece dizer Moore, é perceber que você já é parte da ficção e que pode, a qualquer momento, reescrever a sua página.

O fim do mundo, portanto, não é uma ruína. É rito. É a consciência assumindo o comando da narrativa. E se há algo a ser aprendido com Promethea #26, é que imaginar não é escapar do mundo. É mergulhar nele com tanta lucidez que ele muda.

Revivendo Promethea

                               


Promethea  in Misty Magic Land

 Diogo Bertolin

Onde será que a nossa imaginação pode nos levar ? Existe algum limite? Será que é possível acessar outro mundo? Ou quem sabe assumir outra personalidade?. Esses questionamentos passavam na cabeça de Sophie ou Promethea? Para se reencontrar, ela precisou de sua imaginação chegando através dela na ilha mística mágica.

A magia do pensamento fez com que Promethea se visse diante de sua infância sendo recebida pela chapeuzinho vermelho que a apresenta a floresta negra onde sua amiga supostamente estaria. E realmente ela lá estava, com o gorila chorão, mais um personagem que fazia parte da infância de Sophie, que trazia suas inseguranças e seus medos, que ela teve que superar para libertar sua amiga Stacia.  

Parte de sua missão estava completa, agora precisava voltar ao mundo real, mais uma vez com a força da sua imaginação “apenas feche seu olho, e pense que está em Nova York” e assim, foi feito ambas estavam de volta a realidade dos EUA.  Então, nos traz o seguinte pensamento: o quanto as histórias, os desenhos, a mídia infantil influencia na formação e no desenvolvimento do pensamento e das ideais no ser humano.

Portanto, Promethea nada mais é que o espírito infantil presente em cada um de nós, com as vivências, medos  e referências de cada um nesse período da vida.

resenha de promethea

 
Quando as palavras resolvem brincar de deuses, uma leitura inspirada em Promethea

por Thiago José Lobato Soares

Ah, os deuses! Sempre tão cheios de si e agora, parecem ter invadido a caneta de um certo escriba moderno que resolveu dançar com Alan Moore e seus delírios herméticos. O texto que me caiu nas mãos inspirado em Promethea, essa entidade literária, mítica, feminina, mágica e (por que não?) meio metida é uma espécie de invocação criativa que misturava ocultismo com um toque de "me achei no Pinterest esotérico".

Não se trata de uma leitura fácil. Não porque o texto seja difícil, mas porque ele se recusa a caminhar em linha reta. Ele serpenteia. Ele dá voltas. Ele te seduz com símbolos que talvez nem o próprio autor compreenda por completo (mas quem liga? Alan Moore também deve fingir que entende às vezes).

As palavras, aqui, não querem informar. Querem performar. E performam bem, às vezes como sacerdotisas de um templo antigo, às vezes como estudantes de humanas descobrindo o tarô no intervalo da aula de matemática. E está tudo bem. Porque esse é o jogo: você não lê o texto, você o invoca. Você o deixa te possuir um pouquinho.

Há referências ao misticismo, à magia sexual, à kaballah, aos arquétipos femininos... tudo isso com o fervor de quem abriu um grimório na hora errada da lua. Mas também há ironia, há leveza, há o frescor de quem sabe que a criatividade é, no fim das contas, o feitiço mais poderoso.

Sim, o texto se leva um pouco a sério demais às vezes. Vestir um manto, desenhar um círculo no chão e declarar: "Eu sou a imaginação viva!"... mesmo que o máximo de ritual mágico do dia tenha sido passar café com uma colher de açúcar mascavo.

Em resumo: a leitura é uma viagem lisérgica sem substância ilícita, onde o mapa é desenhado com lápis de cor e a bússola é o inconsciente coletivo. Uma homenagem respeitosa e ao mesmo tempo irreverente à diva gnóstica do Moore, essa Promethea que, mais do que uma personagem, é um convite: venha criar o mundo com palavras.

E foi isso que o autor fez. Com certos exageros, brilhos e tropeços. Como todo bom mago iniciante.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

a luz

 

A Centelha Original


CARLOS GUILHERME OLIVEIRA DE AMORIM


No alvorecer dos tempos, quando a terra ainda tecia seus primeiros sons, emergiu um ser diferente. Não apenas adaptável, mas capaz de moldar o mundo à sua vontade. Entre instintos e reações, pulsava uma força singular: o dom da criatividade. Não um privilégio, mas uma potencialidade inerente, tecida na própria essência de sua humanidade.

Este ser, que não se contentava com o dado, observava, questionava e, acima de tudo, inventava. Longe do determinismo genético que guiava as cobras, ou mesmo cães e golfinhos, possuía uma vasta capacidade de aprendizagem. Essa distinção permitia-lhe ir além da mera sobrevivência, impelindo-o a encontrar soluções onde outros viam apenas impasses. A roda, um dos primeiros grandes feitos, revelou não só a engenhosidade, mas a percepção de um universo em constante movimento, ao qual ele podia se harmonizar.

A lâmpada, acesa por Thomas Edison, simboliza essa faísca que se acende na mente. Uma "inspiração" que não brota do nada, mas de um solo preparado pelo esforço e pela transpiração. Assim, o homem transcende o mero existir, tecendo sua própria realidade através de criações incessantes, um testemunho vivo de seu poder criativo. Um dom, sim, mas um dom da natureza humana, ao alcance de todos.

Operação Criatividade


 QG Cerebral – Operação Criatividade

Por Josy Mayara

Localização: Córtex cerebral central, Estação de Processamento de Conhecimento.

Era mais uma segunda-feira agitada no QG cerebral de Júlia, estudante de Jornalismo. A missão do dia era desafiadora: Processo criativo, memorização e aprendizado para a apresentação de um trabalho sobre mídia e comportamento.

No comando, estavam os mesmos três heróis do cérebro reunidos numa mesa de emergência: Astro, o Astrócito, chefe de logística e suporte, Neuri, o Neurônio, encarregado das conexões e transmissões de ideias e Glia, a Célula Glial, responsável pela segurança, nutrição e controle geral da bagunça.

— Atenção, equipe! A Júlia bebeu café e agora tá com o cérebro a mil! Precisamos coordenar sinapses, energia e estabilidade emocional antes que ela comece a surtar com a quantidade de abas abertas no navegador! – Disse Astro, mostrando a sua hiperatividade.

— Tô recebendo um monte de informação aqui: Pierre Lévy, fandoms, cultura digital... Precisamos organizar essas memórias de curto prazo e fazer o backup no hipocampo! ­– Neuri falou com toda a calma e organização.

— Sem pânico! Já estou limpando os resíduos das sinapses anteriores e levando glicose fresquinha pros neurônios. Se os níveis de estresse subirem, eu lanço dopamina de emergência. – Disse Glia, sempre prestativa, ajudando os dois.

A luz do lobo frontal piscava freneticamente. Era sinal de que Laura estava tentando ser criativa. No córtex pré-frontal, Neuri começou a organizar ideias que surgiam:

— E se a gente comparar o comportamento dos fãs de música com movimentos sociais? Isso dá um gancho ótimo pra introdução! Alguém anota isso, rápido!

Astro se controlou e começou a digitar freneticamente num teclado invisível, gerando novas redes de apoio ao redor dos neurônios:

— Já estou fortalecendo as sinapses dessa ideia com proteínas de memória. Se ela dormir bem hoje, isso fixa!

 — Se ela dormir bem... — Glia suspirou.

Lá fora, Júlia olhava fixamente para a tela do computador. Tinha acabado de ter uma ideia brilhante e nem sabia o quanto de esforço celular e cerebral isso envolvia. Sorriu, abriu o bloco de notas e começou a digitar.

Dentro do cérebro, o trio comemorava. No painel de controle apareceram as seguintes mensagens: Missão aprendizagem ativada com sucesso. Criatividade:fluindo. Memórias: em formação.

Glia estalou os dedos:

— Pronto, pessoal. Agora vamos só garantir que a motivação continue. Alguém libera um pouquinho de serotonina aí?

E assim, entre conexões elétricas, cuidados invisíveis e muito trabalho em equipe, o cérebro de Júlia seguia firme, construindo ideias, guardando conceitos e transformando conhecimento em criação. Porque no fim, mesmo por trás de uma mente criativa, sempre tem um exército invisível de pequenos heróis neurais trabalhando em silêncio para fazer tudo acontecer.

quinta-feira, 20 de março de 2025

metajogador


Vilém Flusser (1998) caracteriza o ‘modo de ser brasileiro’ como um protótipo do homo ludens, um novo homem consciente de que joga com e contra outros; e de que outros jogam com e contra ele. A miscigenação nos fez ‘lúdicos’, um exemplo para outros povos. Flusser vê o brasileiro de modo semelhante a Darcy Ribeiro descrevendo três estratégias de jogo colonial.

É possível engajar-se de várias maneiras nos jogos. Por exemplo: jogar para ganhar, arriscando derrota. Ou jogar para não perder, para diminuir o risco da derrota e a probabilidade da vitória. Ou jogar para mudar o jogo. Nas duas primeiras estratégias o engajado se integra no jogo, e este passa a ser o universo no qual existe. Na terceira estratégia o jogo não passa de elemento do universo, e o engajado está "acima do jogo". Se ciência for jogo, o técnico se engaja nela pela estratégia um ou dois, e o cientista pela estratégia três (procura mudar o jogo, alterar suas regras e introduzir ou eliminar elementos). Se língua for jogo, o participante da conversação se engaja nela pela estratégia um ou dois, e o poeta pela estratégia três (pelas razões indicadas). O mesmo pode ser assim formulado: quem aplica estratégia um ou dois esqueceu que está jogando (por exemplo: técnico, participante de conversação, industrial, político, general e líder estudantil esqueceram que estão empenhados em jogo). Quem aplica estratégia três sempre conserva distância suficiente para dar-se conta do aspecto lúdico da sua atividade (por exemplo: cientista teórico, poeta filósofo e futurólogo). (Flusser, 1998, 108).

 

A estratégia um é a dos que jogam para vencer, mesmo arriscando a derrota – como os norte-americanos. A estratégia dois é o jogo dos excluídos que jogam para não perder, buscando reduzir os riscos tanto do fracasso como do sucesso – como a maioria dos povos latinos americanos. Já a estratégia três é o jogo dos que jogam para mudar o jogo, que caracteriza o ‘modo brasileiro’. A estratégia três corresponde a uma forma de resistência criativa à aculturação colonizadora, uma identidade híbrida, que não se identifica nem rejeita a cultura do colonizador: a absorve e a recria com sua própria linguagem.

Não se trata mais de identidade de um povo ou estratégia de sobrevivência dos dominados, mas sim de um comportamento cultural resiliente a ser adotado por todos os povos em um futuro global. As alteridades, aproximações, estranhamentos e a maneira como os grupos interagem ao longo da história acabam criando relações de poder de acordo com o desconhecimento e reconhecimento do outro. 

Flusser reconhece que, para os povos colonizados, afirmar sua identidade cultural é um ato de resistência muito doloroso porque implica em superar o não reconhecimento do outro (e de si mesmo projetado no colonizador), mas também compreende a antropofagia como um método de diálogo dentro de um contexto da interculturalidade, reconhecendo que cada um tem sua história e uma identidade própria a ser respeitada, cultivada e celebrada.