sábado, 5 de julho de 2025

Promethea #26

André Luís Araujo


 Se o mundo acabar, que seja num balão de fala. Um balão desses flutuantes, entre o simbólico e o místico, como aqueles que orbitam as páginas da Promethea de Alan Moore. Porque quando Moore escreve o fim, ele não escreve um ponto final: ele desenha uma espiral. E em Promethea #26, essa espiral se fecha sobre si mesma para recomeçar, não o universo, mas o entendimento sobre ele.

No derradeiro capítulo da saga, não assistimos a um cataclismo, mas a uma catarse. A humanidade não é destruída, é despertada. Moore nos obriga a pensar que o “apocalipse”, do grego apokálypsis, "revelação", talvez nunca tenha sido um fim literal, mas a súbita iluminação do que sempre esteve diante de nós: a ficção que chamamos de real.

A Promethea que guia a narrativa é mais do que personagem: é arquétipo. Ela é a ideia viva, a personificação do logos criativo, a manifestação de Sophia, a sabedoria. E nesta edição, ela desce à cidade (como quem desce à matéria) para revelar que a imaginação não é evasão, mas poder. Um poder tão vasto que pode, literalmente, reescrever o mundo.

Em diálogo com o hermetismo, a cabala, a tradição gnóstica e a metafísica da linguagem, Promethea #26 opera como um grimório moderno. Cada quadro é uma invocação, cada fala uma chave de abertura para um estado expandido de consciência. As ruas de Nova York se tornam um campo simbólico, onde figuras mitológicas e deuses pós-modernos disputam narrativas. A divindade não desce dos céus, ela emerge da linguagem, da arte, da imaginação humana.

O mais subversivo, porém, não está nas pirotecnias visuais ou nos diálogos sobre misticismo: está na ideia de que o mundo, como o conhecemos, termina quando compreendemos que o construímos com palavras. “O mundo vai acabar às 11h30 de quarta-feira. É melhor você ter algo para dizer.” É assim que se decreta o fim: como um convite à fala, à criação, à autoria do real.

Neste sentido, a HQ não é apenas literatura gráfica, é um ritual de iniciação. Um rito que nos apresenta à Promethea como musa e como método: sonhar como resistência, imaginar como revolução. E o mais radical dos atos criativos, parece dizer Moore, é perceber que você já é parte da ficção e que pode, a qualquer momento, reescrever a sua página.

O fim do mundo, portanto, não é uma ruína. É rito. É a consciência assumindo o comando da narrativa. E se há algo a ser aprendido com Promethea #26, é que imaginar não é escapar do mundo. É mergulhar nele com tanta lucidez que ele muda.

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