sábado, 11 de novembro de 2023

Alzira Soriano

 


ALZIRA SORIANO E A EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DA MULHER BRASILEIRA


Ana Amélia Fernandes de Lucena (*)


No início do século XX, a concepção da mulher como cidadã, politicamente emancipada, era tema de reivindicação e de conquistas em países como Suécia, Dinamarca, Noruega, Estados Unidos e Inglaterra. No Brasil, coube ao Estado do Rio Grande do Norte, em caráter pioneiro, conquistar para a mulher o direito legal de votar e também de ser votada. A reivindicação das feministas lideradas por Bertha Lutz, teve, no deputado e candidato ao governo do Estado do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, um apoio inusitado, contrariando o que já tinha se tornado consenso de grande parte de legisladores e de administradores no país.


José Augusto Bezerra de Medeiros, Governador do Rio Grande do Norte na época em que foi sancionada a Lei, relatou o seguinte o seguinte argumento com o então Deputado Federal Juvenal Lamartine diante da sua incredulidade -É perfeitamente constitucional. A Constituição fala apenas em cidadãos, não distinguindo se homem ou mulher; de modo que a mulher tem tanto direito quanto o homem. Então por que o homem vota e a mulher não vota? Diante deste argumento processou-se e ele como Governador, sancionou a Lei.


Estava admitido o voto feminino através do trabalho do Deputado Federal Juvenal Lamartine e da apresentação realizada pelo Deputado Estadual Adauto Câmara. E do governador José Augusto consagrou-se o seguinte depoimento:


Foram as mulheres do Rio Grande do Norte as primeiras a votar no Brasil. E ainda posso acrescentar o seguinte: fui a primeira pessoa votada por mulher no Brasil, graças a essa iniciativa de Lamartine.


De fato, em plena campanha política para ser eleito Presidente do Estado do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine já questionava a possibilidade da mulher brasileira ser eleitora com base na Constituição então vigente (1891), e, respaldando-se no argumento de que competiria, também, ao Estado-membro legislar sobre direito eleitoral, conseguiu que constasse no artigo 77 da Lei 660 de 25 de outubro de 1927 que: No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei.


Foi assim que a demanda para as inscrições do eleitorado feminino não se fez esperar e, desta forma, ainda em 1927, Celina Guimarães Viana, em Mossoró, RN e Júlia Barbosa em Natal, RN, entraram para a História como as primeiras eleitoras do Brasil. As eleições se processaram em setembro de 1928. A lei propiciou a eleição da prefeita Alzira Soriano e também, das primeiras intendentes que desempenhavam funções similares a um conselho de vereadores, como foi o caso da professora Joana Cacilda de Besser, que fez o seu alistamento eleitoral no município de Pau dos Ferros, em 28 de dezembro de 1927, vindo a ocupar neste mesmo município, esse cargo. Em 1935, Maria do Céu Fernandes foi eleita Deputada Estadual, dando ao Rio Grande do Norte, o título de primeiro Estado a eleger uma mulher para a Assembleia Legislativa.


A onda de adesão teve o apoio dos cidadãos norte-rio-grandenses de uma forma geral, demonstrando a seriedade da proposta e a confiança que já se fazia sentir pelo desempenho da mulher na administração pública. Prova deste consenso está no fato irrefutável de terem sido eleitas. Porém, como não seria de se estranhar, em termos nacionais, a conquista da mulher, com apoio dos políticos e legisladores no Estado do Rio Grande do Norte, foi também motivo de galhofa. Era comum se encontrar em pasquins da época, de circulação nacional, charges ironizando o voto feminino (deixaria de ser secreto?...) e também sobre o forte poder de atração exercido pelo governador Juvenal Lamartine sobre o sexo feminino. O jornal O Malho do Rio de Janeiro, pródigo em charges humorísticas sobre a adesão de Lamartine à causa feminista ironizava o poder que as mulheres passariam a usufruir, invertendo valores relacionados com os que eram até então consignados apenas ao sexo oposto.


Edgar Barbosa ao se referir ao voto feminino em todo o território brasileiro observa o seguinte: As Constituições que se seguiram à Revolução de 30 legitimaram a participação da mulher na concorrência política e segue relacionando exemplos tais como a de 1934 (o art. 109 inclui a mulher como obrigada a se alistar e a votar, no caso de esta exercer função pública) e as subsequentes, que consagraram o direito do voto feminino. É também de Edgar o elogio do feito norte-rio-grandense.


Alzira Soriano, mulher decidida, de temperamento forte e com uma inteligência privilegiada, ao chegar no cargo de Prefeita era investida também da primazia de se tornar a primeira mulher a exercer um cargo na administração pública municipal, no Brasil. O mais importante do seu feito é o fato de também ter demonstrado que a oportunidade que lhe foi repassada se fundamentava na sua capacidade e na sua idoneidade. Seu discurso de posse e a entrevista que deu ao jornal O Globo são testemunhos de sua percepção sob a responsabilidade que passava a receber diante de si mesma, diante da luta internacional pelos direitos da mulher e diante do seu povo:


Não me prevalecerei do cargo para fazer favores a amigos e ainda menos para negar justiça a adversários. Não abusarei dele para obter proventos seja qual for a natureza destes. O infortúnio do meu estado civil ensinou-me a trabalhar e a viver modestamente com honra, e não trocarei jamais a calma da consciência e altivez da mediania por vantagens mais ou menos suspeitas que pudesse auferir da função pública.


A sua administração foi marcada também por aspectos inovadores como a convocação de intelectuais do Estado para um quadro de Secretários que a ajudassem a intervir em áreas tais como estradas, educação, urbanização e saúde. Quando se considera que no ensino formal teve apenas o básico, depreende-se que na sua formação o grande papel adveio da sua experiência de vida, como, por exemplo, no aprendizado político com o seu pai; com o seu marido, o Promotor Soriano, na curta convivência devido o seu falecimento em 9 de janeiro de 1919, após o quarto ano de casamento, vítima, aos 29 anos, da gripe espanhola, deixando-a grávida; com o seu sogro, em Recife, após a viuvez, e com a leitura e os contatos com pessoas ligadas à movimentos políticos e minoritários. Sua vida é uma demonstração de que a sua inteligência, aliada à sua experiência, acumularam sabedoria e determinação.


Nasceu em 29 de abril de 1896 em Jardim Angicos, RN, sendo seus pais Miguel Teixeira de Vasconcelos e Margarida Teixeira de Vasconcelos. Morreu em 28 de maio de 1963 aos 67 anos de idade, vítima de um câncer. Sua terra natal, Jardim de Angicos perdeu a emancipação em 1914 e passou a ser distrito de Lajes em razão do crescimento deste município por causa da passagem da via férrea. O desmembramento só se processou em 1962, pela Lei número 2.755 de 8 de maio de 1962 no Governo de Aluísio Alves.


O nome Soriano, veio do seu casamento em 29 de abril de 1914, data em que completava 18 anos, com o Promotor, Dr. Thomaz Soriano de Souza Filho que a deixou viúva aos 22 anos. Do seu casamento teve as filhas Sônia (1915), Ismênia (1917) Maria do Céu (1918 - faleceu com um mês) e Ivonilde (março de 1919) que nasceu meses após a morte do pai. Esta última reside em Jardim de Angicos preservando a história e a casa onde residiu com sua mãe e que nos deu esta entrevista e acesso ao seu acervo iconográfico. Atualmente, vem mantendo contatos para dar início ao processo de tombamento e de organização de um Memorial.


Alzira foi Prefeita aos 31 anos. Seu pai foi um homem considerado como grande político da região central do Rio Grande do Norte. A participação de Alzira chamou a atenção da advogada feminista Bertha Lutz quando, em companhia do então governador Juvenal Lamartine, visitou Lajes, influenciando-o na indicação de uma mulher para governar o município.


O caderno Cidades do jornal “Diário de Natal”, no artigo “Memória: Alzira Soriano, o centenário da primeira prefeita do Brasil” (DN: 28.04.1996) faz referência à grande repercussão desta eleição: “O fato de ser a primeira mulher prefeita do Brasil e da América Latina, fez com que os jornais do mundo inteiro noticiassem o acontecimento, tornando Alzira Soriano bastante conhecida e festejada (...) Importante também é o destaque que se dá à sua gestão, como tendo sido de grande competência e integridade:


Com o fim das comemorações pela vitória, a prefeita Alzira Soriano partiu para fazer uma administração que chamava a atenção pela organização, tratando logo de nomear secretários e solicitou do governador a ajuda de escriturários do Estado para os trabalhos administrativos. Com uma receita de 60 contos de réis, marcou seu mandato com a construção de novas estradas, mercados públicos distritais, escolas e iluminação (DN, 28.04.1996).


Esta norte-rio-grandense tornou-se um exemplo para o movimento feminista do país, pela sua inteligência e pela sua determinação. Sobre a participação da mulher e em especial sobre Alzira Soriano, a bióloga e líder feminista Bertha Lutz, declarou no Jornal A República de 2 de dezembro de 1928:


... O acontecimento mais notável foi a eleição da Sra. Alzira Teixeira Soriano, para prefeita de Lages. É uma mulher inteligente, enérgica, com larga capacidade administrativa e prática, jovem independente e digna. Considero a eleição de elemento como este uma abundante recompensa de todo o trabalho despendido por mim, em dez longos anos em prol da causa feminina, pois constituem uma garantia sólida da continuidade da campanha sociológica que tive a honra de iniciar. 12


No mesmo depoimento Bertha Lutz faz alusão à primeira organização eleitoral feminina, a Associação de Eleitoras Norte-rio-grandenses criada com o objetivo de “propiciar a educação cívica do eleitorado feminino, o preparo da mulher para a participação na vida pública e a colaboração prática e administrativa nas medidas de alcance social.”


Com a revolução de 30 e a consequente deposição de todos os governantes, Alzira Soriano destacou-se ao recusar, do Governo que se instalava, a oferta para se transformar em “Interventora Municipal”. Tornou-se, portanto, “a primeira mulher a ser defenestrada do Poder, com a perda do mandato ganho nas urnas...” (DN, 28.04.1996).


Anos mais tarde, em 1945, Alzira Soriano volta à vida pública, candidatando-se à vereadora, tendo sido reeleita mais duas vezes consecutivas. Liderando a bancada da UDN, chegou à presidência da Câmara por mais de uma vez. A sua coerência passava também por gestos destemidos: conta-se que após a sua deposição, ao escutar de adversários insinuações depreciativas sobre o uso da força e do açoite, na sua gestão e, consequentemente na do governador Lamartine “o tempo da virola acabou!... Alzira Soriano esbofeteia o oponente e responde que “braço de mulher não tinha se acabado não”. E complementaríamos, que o seu exemplo também não. Alzira Teixeira Soriano motivou e encorajou mulheres, foi tema de estudo em escolas de outros países – sua filha Ivonilde conta que ela se correspondia até com estudantes franceses que ficaram impressionados com a sua experiência – quebrou preconceito e, acima de qualquer diferença de gênero, deixou o exemplo de capacidade administrativa e probidade na conduta política.


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(*) Socióloga e pesquisadora

Síntese de um texto original publicado no Jornal O GALO, Ano XII, No.3- março, 2000- Natal, RN

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