Uma pergunta simples: a vida é um jogo? A vida é algo que disputamos, em que há vencedores e perdedores? Acredito que não. Mesmo se pensarmos em competição de genes e em 'seleção natural', o critério evolucionista de Darwin da sobrevivência do 'mais forte' já foi substituído pelo critério da capacidade de adaptação e resiliência (Lamarck). A vida seleciona os mais flexíveis e resistentes.
Mas, também compreendo que a vida vem se
tornando uma competição. A vida moderna é uma aventura. Somos todos heróis a
procura do grande amor e da realização no mundo. Por isso, tornamos nossas
vidas narrativas de risco. Risco de vida, risco de não sermos amados, de não
sermos bem sucedidos. Risco do fracasso dos perdedores. A vida está se tornando
um jogo. Nesse contexto, estamos vivendo um processo de 'gamificação' das
relações sociais e das interações: a aplicação das estratégias e do design competitivo
dos jogos em outras práticas sociais, com o objetivo de aumentar o engajamento
dos participantes.
A gamificação das relações sociais se dá a
nível estrutural, como disputas entre instituições sociais; como se a sociedade
se tornasse um imenso mercado. Já a gamificação das interações se dá no micro
espaço do cotidiano, acirrando a competição entre as pessoas em torno
diferentes objetos de disputa, como “se a vida fosse um jogo”.
Atualmente, o aprendizado está se
'gamificando', tornando-se lúdico e competitivo. As antigas disciplinas estão
se tornando 'narrativas seriadas ', em que cada aula é um episódio
(representando um conteúdo específico) e um capítulo de um arco narrativo maior
(correspondendo a um estágio de um conjunto de conteúdos cumulativos). As
avaliações são desafios para que o aluno assimile o conteúdo específico e
avance em relação ao conjunto de conhecimentos sequenciais.
A gamificação representa a inserção do
risco controlado – a incerteza lúdica - no aprendizado e na própria vida. Para
tanto, não é preciso muita tecnologia. Basta viver feliz e consciente das
próprias limitações, mas sempre buscando por desafios para transcendê-las.
O conceito teve grande repercussão na
área de comunicação: o livro Gamificação em Debate (SANTAELLA, 2018)
traz um coletânea importante de autores de diferentes áreas, demonstrando que a
atividade lúdica aplicada a outras atividades não promove apenas engajamento
motivacional, mas, sobretudo, em mudanças profundas de comportamento. Para
esses autores, a gamificação retoma os aspectos lúdico e criativo que todos têm
incubado, ampliando a qualidade cognitiva do aprendizado e do desempenho.
Por outro lado, existem também os
contrários à gamificação, que vêem o processo de modo colonizador e exclusor da
maioria, uma vez que apenas as elites têm acesso aos jogos eletrônicos, à
robótica e a um ensino mais individualizado. A gamificação, assim, aumentaria
muito mais a desigualdade social e a exclusão cultural. Os jogos nos tornam
mais competitivos e menos solidários, reforçando assim, do ponto de vista
pessoal, os imperativos da sociedade global capitalista.
Há também o trabalho do professor Marcos
Nicolau (2018a, 2018b, 2018c, 2018d, 2019, 2021) da UFPB sobre ludosofia -
conceito que desloca o foco da gamificação de um artificio de engajamento
motivacional para o aprendizado existencial dos jogos em si.
Por que jogar?
Jogar ensina a viver, a perder, a ganhar,
a lidar com as emoções, a ser ético - independentemente do conteúdo que está
sendo ensinado de forma colateral. Os
jogos, além da memorização e visualização do conhecimento em diferentes áreas
(história, geografia, biologia, matemática, etc), também desenvolvem o
amadurecimento emocional, a aceitação das perdas, a empatia com os outros.
Agora nossa questão aqui é - levando em conta os
prós, os contras e os dialéticos - pensar da perspectiva pedagógica, como
formar protagonistas, desenvolvendo competências e habilidades sócio emocionais
através de jogos?
E, do ponto de vista social: os jogos podem, ao
contrário do que se pensa, contribuir para construção de sua sociedade mais
solidária e menos competitiva? A democracia é um jogo?
E ainda, em uma perspectiva pessoal: Como
transformar a própria vida em uma aventura criativa? Como inserir a 'incerteza
lúdica' em nossas vidas de modo decolonial e criativo?
NICOLAU, Marcos. Dezcaminhos
para a criatividade. 2. ed. João Pessoa: Ideia, 2018a.
https://drive.google.com/file/d/132ZVUcLz5vXNZXe9yoB7Do-rpUVChbU5/view
____ Introdução à
criatividade. 2. ed. João Pessoa: Ideia, 2018b.
https://drive.google.com/file/d/15bErzpm3ZEgPJ9rag3gSqZyjVGXaufHe/view
____ Ludosofia: a
sabedoria dos jogos, 2ª ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2018bc.
https://drive.google.com/file/d/1zjiOORuX2xYXeZydvOREKqRO1YicJWUJ/view
____ Razão e
criatividade: tópicos para uma pedagogia neurocientífica. 3. ed. João
Pessoa: Ideia, 2018d.
https://drive.google.com/file/d/1Eg2UCSTMMipyp54ooOCxhQ1U4FCHZKOA/view
____ Games e
gamificação: práticas educacionais e perspectivas teóricas. João Pessoa:
Ideia, 2019.
https://drive.google.com/file/d/1Zenw8rDY-aSfeymKaj61FjJR44_dpDBG/view
____ Ludoaprendizagem
desplugada: pensamento computacional com jogos de tabuleiro no ensino
fundamental. João Pessoa: Ideia, 2021.
https://drive.google.com/file/d/12YJMuK17waFVHJ7t16qUW8jxiTeAd-N4/view?usp=sharing
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