Emely Luize Dos Santos Brito
Uma colaboração célebre
entre o escritor chileno Alejandro Jodorowsky e o artista francês Moebius, a
série em quadrinhos “Incal” foi publicada na década de 1980, narrando uma
jornada surreal e filosófica que mistura ficção científica, fantasia e comentários
sociais de maneira única.
Contextualizando, os anos
1980 foram marcados por eventos históricos importantes como a Guerra Fria, o
que por ventura influenciava e se mostrava em muitas narrativas de ficção.
Havia uma tensão global que se refletia em vários formatos de arte.
O crescimento da cultura geek na época também foi importante para
a perpetualização de “Incal”, já que, com o surgimento das convenções, se
fortaleceu o mercado de quadrinhos e a popularização de personagens icônicos
como Batman, Superman, X-Men, entre outros.
A série em quadrinhos
“Incal” é ambientada em um universo distópico e surreal, e sua história segue
as aventuras de John DiFool, um detetive particular de moral duvidosa que acaba
se envolvendo em uma trama cósmica após encontrar o Incal, um objeto de poder
incomensurável e cobiçado por muitos, como o antagonista Homem do Bubo, ser grotesco que
busca controlar o Incal para seus próprios fins maléficos. Sua presença ameaça
o equilíbrio do universo e coloca John DiFool em perigo constante.
Ao longo da narrativa,
DiFool é arrastado para uma jornada repleta de perigos, enigmas e reviravoltas,
enquanto enfrenta uma miríade de personagens estranhos e poderosos, incluindo
seres divinos e entidades cósmicas como Metabarão e Tanatah. Nesse mundo
caótico e cheio de intrigas, ele se vê confrontando questões existenciais
profundas, como o propósito da vida, a natureza do poder e a busca pela
iluminação espiritual.
Através de uma mistura
única de ficção científica, fantasia e filosofia, "Incal" mergulha o
leitor em um turbilhão de imaginação e reflexão, explorando temas universais
como moralidade, livre arbítrio, religião e a luta entre o bem e o mal. Com sua
narrativa densa e visualmente impactante, a série cativa e desafia os leitores,
oferecendo uma experiência única e inesquecível no mundo dos quadrinhos.
É inegável que a arte de
Moebius é deslumbrante e altamente imaginativa, combinando linhas fluidas e
detalhes complexos para criar paisagens e personagens impressionantes. Porém, a
narrativa surrealista de Jodorowsky se mostra complicada e abstrata em muitos
momentos, o que pode confundir quem prefere tramas mais lineares, sem mencionar
a abordagem de temas e imagens que consideram controversas ou perturbadoras
para alguns leitores.
O maior incômodo na
leitura, no entanto, são as representações que refletem os padrões machistas
que permeavam a cultura da época em que foram produzidas. A maneira como
algumas personagens femininas são retratadas, muitas vezes como figuras
estereotipadas e hipersexualizadas, pode reforçar ideias prejudiciais sobre o
papel das mulheres na sociedade e contribuir para a objetificação do gênero
feminino. Pode ser citada como exemplo a personagem Animah, que apesar da
importância na narrativa e no desenvolvimento para que a história do DiFool se
desenrole, é vista muitas vezes sem roupa e com um corpo com curvas exageradas
e nada condizentes com um corpo feminino real. A forma como os personagens
masculinos interagem com as mulheres em certas situações também são ações machistas
e sexistas, reproduzindo dinâmicas de poder desiguais e comportamentos
inadequados.
É importantíssimo pontuar
que as mulheres são frequentemente sexualizadas nos quadrinhos por uma série de
razões complexas. Uma delas é a tradição histórica na indústria dos quadrinhos
de criar personagens femininas com atributos físicos exagerados, como corpos
voluptuosos e roupas provocativas, para atrair um público que até pouco tempo
era majoritariamente masculino. Isso pode ser resultado da predominância de
homens na criação dessas histórias e na liderança das editoras de quadrinhos
por décadas.
Também vale ser
mencionado a gama de personagens de culturas e etnias diferentes na história
aqui apresentada. Mas, apesar de muitos considerarem isso como
representatividade positiva, o que a série realmente apresenta são estereótipos
em suas representações de personagens e cenários, especialmente em relação a
culturas não ocidentais.
Mas, no geral, apesar de
todas as suas problemáticas e contradições, "Incal" é reconhecido
como um marco e aclamado como uma obra-prima dos quadrinhos europeus, tanto
pela sua narrativa desafiadora quanto pela sua arte excepcional, e continua a
ser uma influência significativa e importante para muitos artistas e escritores
no mundo dos quadrinhos.
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