segunda-feira, 15 de abril de 2024

Incal

 

INCAL: SUA IMPORTÂNCIA HISTÓRICO NA CULTURA DOS QUADRINHOS E AS PROBLEMÁTICAS QUE INFELIZMENTE CARREGA


Emely Luize Dos Santos Brito


Uma colaboração célebre entre o escritor chileno Alejandro Jodorowsky e o artista francês Moebius, a série em quadrinhos “Incal” foi publicada na década de 1980, narrando uma jornada surreal e filosófica que mistura ficção científica, fantasia e comentários sociais de maneira única.

Contextualizando, os anos 1980 foram marcados por eventos históricos importantes como a Guerra Fria, o que por ventura influenciava e se mostrava em muitas narrativas de ficção. Havia uma tensão global que se refletia em vários formatos de arte.

O crescimento da cultura geek na época também foi importante para a perpetualização de “Incal”, já que, com o surgimento das convenções, se fortaleceu o mercado de quadrinhos e a popularização de personagens icônicos como Batman, Superman, X-Men, entre outros.

A série em quadrinhos “Incal” é ambientada em um universo distópico e surreal, e sua história segue as aventuras de John DiFool, um detetive particular de moral duvidosa que acaba se envolvendo em uma trama cósmica após encontrar o Incal, um objeto de poder incomensurável e cobiçado por muitos, como o antagonista Homem do Bubo, ser grotesco que busca controlar o Incal para seus próprios fins maléficos. Sua presença ameaça o equilíbrio do universo e coloca John DiFool em perigo constante.

Ao longo da narrativa, DiFool é arrastado para uma jornada repleta de perigos, enigmas e reviravoltas, enquanto enfrenta uma miríade de personagens estranhos e poderosos, incluindo seres divinos e entidades cósmicas como Metabarão e Tanatah. Nesse mundo caótico e cheio de intrigas, ele se vê confrontando questões existenciais profundas, como o propósito da vida, a natureza do poder e a busca pela iluminação espiritual.

Através de uma mistura única de ficção científica, fantasia e filosofia, "Incal" mergulha o leitor em um turbilhão de imaginação e reflexão, explorando temas universais como moralidade, livre arbítrio, religião e a luta entre o bem e o mal. Com sua narrativa densa e visualmente impactante, a série cativa e desafia os leitores, oferecendo uma experiência única e inesquecível no mundo dos quadrinhos.

É inegável que a arte de Moebius é deslumbrante e altamente imaginativa, combinando linhas fluidas e detalhes complexos para criar paisagens e personagens impressionantes. Porém, a narrativa surrealista de Jodorowsky se mostra complicada e abstrata em muitos momentos, o que pode confundir quem prefere tramas mais lineares, sem mencionar a abordagem de temas e imagens que consideram controversas ou perturbadoras para alguns leitores.

O maior incômodo na leitura, no entanto, são as representações que refletem os padrões machistas que permeavam a cultura da época em que foram produzidas. A maneira como algumas personagens femininas são retratadas, muitas vezes como figuras estereotipadas e hipersexualizadas, pode reforçar ideias prejudiciais sobre o papel das mulheres na sociedade e contribuir para a objetificação do gênero feminino. Pode ser citada como exemplo a personagem Animah, que apesar da importância na narrativa e no desenvolvimento para que a história do DiFool se desenrole, é vista muitas vezes sem roupa e com um corpo com curvas exageradas e nada condizentes com um corpo feminino real. A forma como os personagens masculinos interagem com as mulheres em certas situações também são ações machistas e sexistas, reproduzindo dinâmicas de poder desiguais e comportamentos inadequados.

É importantíssimo pontuar que as mulheres são frequentemente sexualizadas nos quadrinhos por uma série de razões complexas. Uma delas é a tradição histórica na indústria dos quadrinhos de criar personagens femininas com atributos físicos exagerados, como corpos voluptuosos e roupas provocativas, para atrair um público que até pouco tempo era majoritariamente masculino. Isso pode ser resultado da predominância de homens na criação dessas histórias e na liderança das editoras de quadrinhos por décadas.

Também vale ser mencionado a gama de personagens de culturas e etnias diferentes na história aqui apresentada. Mas, apesar de muitos considerarem isso como representatividade positiva, o que a série realmente apresenta são estereótipos em suas representações de personagens e cenários, especialmente em relação a culturas não ocidentais.

Mas, no geral, apesar de todas as suas problemáticas e contradições, "Incal" é reconhecido como um marco e aclamado como uma obra-prima dos quadrinhos europeus, tanto pela sua narrativa desafiadora quanto pela sua arte excepcional, e continua a ser uma influência significativa e importante para muitos artistas e escritores no mundo dos quadrinhos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário