Dietmar Kamper (1998)
estudando o jogo como metáfora da vida, chama a atenção sobre a discrepância
estrutural entre "o método e o objeto" desta pesquisa, sobre a
inadequação entre a atividade lúdica e o rigor científico dos discursos que
pretendem estudá-la.
Norval Baitello Jr (1997, 58), a partir
das ideias de Walter Benjamin (1985), afirma que essa dificuldade metodológica
apenas espelha a dicotomia cultural e cognitiva entre o mundo adulto (e a
lógica das "coisas necessárias") e o universo infantil (e do
"aparentemente supérfluo").
Winnicott (1975) é o grande estudioso do
Brincar e deste universo como um espaço alternativo à realidade imposta pela
cultura. A alfabetização e o aprendizado das quatro operações matemáticas
básicas exige concentração e disciplina. Com elas, surge o mundo sério dos
adultos, em que os atos têm consequências e o lúdico é visto como uma
irresponsabilidade.
Edgar Morin (1979:116-117) crê que a
construção histórica do Homo Sapiens (homem do saber racional) teve como efeito
colateral o (sub)desenvolvimento do Homo Demiens (homem-louco). O primeiro
corresponde ao universo adulto e o último, ao mundo da desordem e
irracionalidade reprimida no inconsciente em seus diferentes aspectos.
Vilém Flusser (1998) elabora a noção de
'homo ludens', como a superação dessa dicotomia entre razão e loucura e,
acrescentamos, como um retorno ao nossa criança interior. Além disso, Flusser
caracteriza o 'modo de ser brasileiro' como um protótipo global do homo ludens,
que não se identifica nem com a vitória dos colonizadores nem a derrota dos
colonizados, mas tem como estratégia de longo prazo a resistência criativa à
aculturação colonizadora.
Porém foi Ivan Bystrina (1995) quem
melhor definiu o papel cognitivo da atividade lúdica em relação ao pensamento
lógico. Para ele, há três níveis inter-relacionados de codificação de
mensagens.
·
O código
primário, formado através de sinais
simples e se organizam a partir da experiência e de regras predeterminadas dos
sistemas vivos em sua evolução. Chamamos esse código de BRINCAR.
·
O Código
secundário, uma consciência coletiva
através de signos construídos a partir de uma estrutura comum, um sistema
institucional de cognição coletiva – para o qual é necessário ESTUDAR.
·
E o Código
terciário representa um nível de codificação cultural, para além das
instituições sociais, e que constitui em uma “segunda realidade” para perpetuar
mensagens para futuras gerações.
Esta “segunda realidade” formada por
nossos sonhos e desejos profundos está presente no JOGAR e resulta da perda de
nexo reconhecível com as necessidades imediatas de sobrevivência. A segunda
realidade é o "não-sério" e os jogos são uma das portas deste
universo simbólico (ao lado do sonho, das doenças mentais e do extase místico
induzido). A classificação de Bystrina equivale a dizer que o Brincar
corresponde ao corpo e a mídia primária; o Estudar, à linguagem estruturada e a
mídia secundária; e o Jogar, à simulação de risco no futuro e aos meios de
comunicação. A segunda realidade tem o objetivo de antecipar e simular
situações possíveis de se configurar. É a simulação dos futuros possíveis que
fornecem probabilidades para o presente se organizar.
A teorização sobre jogos
começou com os gregos, levando em conta a forma como o inesperado ou o acaso se
manifestam. Nesse sentido, existem quatro tipos ideais de jogos: Agon, Alea,
Mimicry, Ilynx.
·
Agon, os Jogos de Azar (a roleta, por exemplo). O
ruído aqui é Objetivo e equivale ao acaso. Calcula-se a probabilidade (1/6 de
chances em jogo de dados, por exemplo) e compara-se com os resultados
empíricos. Obtém-se, então, um quadro analógico entre um modelo ideal (as "condições
iniciais") e os resultados.
·
Alea, os Jogos de Adivinhação (como o jogo de
búzios). O ruído é Subjetivo e dificulta a comunicação com o futuro. Aqui não
existe um "resultado errado" ou discrepante do modelo, todo ruído é,
por definição, ignorância de quem não entende.
·
Mimicry, os Jogos de Performance são aqueles em que o
desempenho individual é determinante. O ruído aqui é, em parte ambiental, em
parte cognitivo. O golfe, o surf e o "jogo de paciência" são alguns
dos jogos que combinam acaso e autoconhecimento. Para estudar tais jogos é
preciso tanto considerar as variações e discrepâncias probabilísticas de cada
jogo (compreendido como um conjunto de regras e possibilidades lógicas) como
também os diferentes níveis de intencionalidade e consciência dos jogadores.
·
E,
finalmente, Ilynx, os Jogos Competitivos, que tanto podem ser de
estratégia pura (como o xadrez, por exemplo); como baseados na força, na
velocidade ou em outras qualidades físicas e psicológicas. Estes jogos é que
geralmente são estudados na chamada Teoria de Jogos de Soma Zero. O ruído aqui
é Intersubjetivo e consiste em uma forma enganar o adversário ou de ser
enganado por ele.
Na prática a maioria dos
jogos é uma combinação dessas modalidades ideais. Um jogo de pôquer ou de
futebol implica tanto em sorte (ou escapar ao ruído objetivo), assertividade
(ou não se confundir com o próprio ruído subjetivo) e blefe (ou enganar e não
ser enganado pelo ruído intersubjetivo). Nesta classificação, o interessante é
a diferença de tipos de ruído. Nos primeiros jogos (de Azar, de Adivinhação e
de Performance) o ruído resulta de nossa própria ignorância e corresponde à
relação entre o homem e a natureza; enquanto os jogos competitivos (ou de soma
zero) o ruído é utilizado para enganar o adversário e corresponde a relação dos
homens entre si (WIENER, 1954).
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