Pierre
Bourdieu também comparou (metaforicamente) sua teoria dos campos aos jogos, em
que os agentes disputam por prêmios dentro de um regime de regras pactuadas,
que eles fazem apostas. E da mesma forma que cada jogo tem suas regras de funcionamento,
cada campo social (política, arte, economia) também teria um conjunto
específico de regras. Porém, Bourdieu também criticou (em seus estudos sobre o
capitalismo mercantil em sociedades coloniais como a Argélia) as teorias
tradicionais dos jogos por acreditarem que todos os agentes são motivados
universalmente pelo cálculo de custo/benefício.
Efetivamente, podemos
comparar o campo a um jogo (embora, ao contrário de um jogo, ele não seja o
produto de uma criação deliberada e obedeça a regras, ou melhor, a
regularidades que não são explicitadas e codificadas). Temos assim móveis de
disputa que são, no essencial, produtos da competição entre jogadores; um
investimento no jogo, illusio (de ludus, jogo): os jogadores se deixam levar
pelo jogo, eles se opõem apenas, às vezes ferozmente, porque têm em comum
dedicar ao jogo, e ao que está em jogo, uma crença (doxa), um reconhecimento
que escapa ao questionamento [...] e essa colusão está no princípio de sua
competição e de seus conflitos. Eles dispõem de trunfos, isto é, de
cartas-mestra cuja força varia segundo o jogo: assim como a força relativa das
cartas muda conforme os jogos, assim, a hierarquia das diferentes espécies de
capital (econômico, cultural, social, simbólico) varia nos diferentes campos
(Bourdieu apud, BONNEWITZ: 61).
O
conceito de Campo Social (e sua analogia com os jogos) é o que melhor permite
entender a interação atual entre a mídia e a política, campos que se guiam por
lógicas diferentes, mas que passaram interferir um no outro. Bourdieu tratou –
de forma superficial e preconceituosa, diga-se de passagem - do impacto do
jornalismo sobre os campos político e acadêmico, no polêmico livro Sobre a televisão (1997). Tratava-se de
uma (tentativa de) defesa da autonomia desses campos sociais contra sua
midiatização. É um texto militante que deixa em aberto à exploração analítica
de vários pontos.
Sugere-se
aqui outro modelo: observar a intercessão, a autonomia e reciprocidade entre os
campos da mídia e o campo da política. O campo político é o lugar em que se
geram, na disputa entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos
políticos, problemas, programas, análises, comentários, conceitos e eventos,
entre os quais os cidadãos comuns são chamadas a debater e decidir, durante as
eleições. É, portanto, um campo fechado (em que seus agentes internos interagem
na maioria do tempo), que se abre sazonalmente a todos, durante os breves
momentos eleitorais.
O
Campo da Mídia é o ambiente de visibilidade simultânea, que funciona segundo
suas próprias regras e subverte a lógica de premiação de outros campos. A mídia
ocupa uma dupla posição em relação à estrutura social, ela é tanto um Campo
próprio (em que os atores sociais debatem seus problemas) como também um agente
no Campo Político mais geral.
Graças a essa ambiguidade
funcional, os meios de comunicação são 'meta jogadores', que 'bancam' a
democracia. Os meios de comunicação são instituições políticas
de mediação das elites com o público, mas não substituem os governos, os
parlamentos, os partidos e os demais atores políticos - apenas se sobrepõem a
eles, 'dando as cartas do jogo', selecionando e interpretando todas as
informações de um campo para os outros. O resultado imediato dessa ambiguidade institucional
é que, enquanto há abordagens midiafóbicas, que enfatizam o aspecto
negativo das mudanças, ressaltando o campo social como o conjunto da esfera
pública e a mídia como um agente social nefasto; outras, midiafílicas,
percebem apenas o aspecto positivo, enfatizando a mídia como um campo aberto
para o diálogo direto entre os agentes políticos e o público.
A
maioria dos autores contemporâneos postula uma posição intermediária: os campos
da Política e da Comunicação se interpenetram numa relação recíproca, mais
ambos preservam suas especificidades; nem a política se dilui frente ao efeito
da mídia, nem a mídia é um mero instrumento da política ou alienação social.
O
discurso político atual realmente se organiza pela gramática específica da
linguagem da mídia, com ênfase na novidade, no inusitado e em padrões
estéticos. O marketing adapta o discurso político às preferências do público
através de pesquisas e se baseia na similitude entre audiência e eleitorado (ou
entre a opinião pública e o mercado consumidor). E não se trata apenas do
discurso político (mediado), mas a política entendida como prática social
passou a se orientar parcialmente pela lógica da visibilidade midiática e de
seu capital simbólico.
Observando
a inter-relação entre os dois campos podem-se localizar vários elementos: a) o
que há de político na comunicação (o subcampo jornalístico); b) o que há de
comunicação na política (a imagem pública e a propaganda política); c) o que há
na política que não está na comunicação (a negociação invisível); d) o que há
na comunicação que não está no campo político (o simbolismo aparentemente
apolítico do mundo do entretenimento).
Pode-se
dizer, no entanto, que os campos da comunicação e da política estão em
convergência, que sua intercessão está aumentando ('a implosão da esfera
pública' prevista por Habermas) e que as áreas em que os campos mantem sua
própria lógica tendem a diminuir (com a transparência virtual das negociações
hoje invisíveis e com a 'politização' de celebridades, atletas e artistas).
Vários autores contemporâneos chamam essa convergência de 'espetacularização da
política' e consideram que a política tornou-se mais teatral.
Porém,
a convergência entre os campos da comunicação e da política são ainda
insuficientes para explicar o fenômeno da gamificação da democracia, surgindo a
necessidade “de um terceiro convidado”: o mundo dos negócios (GOMES, 2004 p.
129).
Essa
ampliação sociológica extrapola o âmbito da perspectiva discursiva, permitindo
um ângulo mais abrangente por um lado. E, por outro, o mercado é quem gamifica
a esfera pública e a sociedade civil, investindo na competição de seus agentes.
O jogo social é travado em três campos: o econômico, o político e o
psicocultural. E a interação convergente entre os campos da mídia, da economia
e da política, assim, reorganiza os elementos internos e promove a gamificação
social.
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