terça-feira, 16 de abril de 2024

um modo de ser

 


O lúdico como discurso e 'modo de ser'

O professor André Lemos, a partir de sua teoria Ator-Rede com Latour, descreve o lúdico como um modo de existência moderno.

"A modernidade caracteriza-se por uma forma específica de enquadramento da atividade lúdica, seja para infantilizá-la, seja para ajustá-la como um negócio (do entretenimento). Acredito que a dimensão lúdica seja uma das chaves para empreender uma antropologia dos modernos, já que o que chamarei aqui de “seres do jogo” nos constituem, nos provocam, “jogam” com a nossa subjetividade e com o nosso corpo por intermédio de artefatos (“brinquedos fetiches”), narrativas e regras específicas."

Lemos apresenta os modos de existência, propõe mais um modo (lúdico), apontando para a existência de “seres do jogo”, e estabelece correlações deste com outros modos, como o da técnica, o da metamorfose e o da ficção. Essa forma ontológico de pensar tem suas vantagens e suas desvantagens. Mas, se pensando de forma mais epistemológica e arqueológica, visualiza-se melhor que o lúdico é anterior aos outros modos de ser e que passou por transformações históricas em virtude de sua relação com a tecnologia e com a narrativa.

Isso em dois sentidos distintos e complementares. O lúdico é anterior ao Outro – para Orlandi (análise discursiva) e para Winnicott (psicologia infantil); e o lúdico como contexto histórico é anterior à escrita e à história – como defende Flusser entre outros.

Orlandi (1980) sugere um modelo tipológico dos discursos segundo a participação dos interlocutores na produção do Sentido.

·          Discurso autoritário - O emissor impõe as suas necessidades de transmissão à realidade-referente da linguagem. O discurso tende à ‘paráfrase’, ou seja, à repetição da identidade do sentido e da ordem subjacente à sua transmissão. O resto é ‘ruído’.

·          Discurso lúdico - O receptor (ou a percepção) se apropria da realidade-referente, submetendo a transmissão a fatores aleatórios e/ou às necessidades de desenvolvimento da linguagem. O discurso aqui tende à polissemia e à multiplicidade do sentido. 

·          Discurso Polêmico - O sentido é construído pela reversibilidade dialógica entre os polos interlocutores da linguagem. O discurso, neste caso, é uma ‘tensão’ entre a paráfrase e a polissemia, entre a identidade e a multiplicidade do sentido.

Toda imposição de realidade referencial e toda linguagem instituída pelo emissor é discurso autoritário, em oposição à semiose absoluta do receptor, os sonhos e o simbólico, o discurso lúdico. Isso aponta para uma discrepância estrutural entre o método científico e o objeto lúdico, uma inadequação entre brincar e estudar.

No brincar, o lúdico é anterior ao outro. Benjamin, Winnicott e outros falam da relação entre eu e brinquedo como uma preparação para o outro. Muitos pensadores de ensino tradicional consideram que o começo do aprendizado começa o letramento e as quatro operações, que a socialização da escola estabelece o final da zona de conforto infantil. O aprendizado torna-se sério e sem graça porque exige concentração contínua e disciplina corporal. Jogar é uma prática mista entre brincar e aprender. E 'jogar a dois' (ou mais) é simular uma situação hipotética através de disputa simbólica. A socialização e a criatividade são estimuladas ao máximo pela dinâmica cooperação/competição. O que nos leva a pensar que o verdadeiro objetivo de jogar é desenvolver a criatividade.

Na perspectiva de Flusser, a pós-história ou pós-escrita está, através dos meios de comunicação, resgatando a ludicidade dos jogos anteriores à escrita e produziando a 'gamificação das relações sociais e das interações'. A gamificação acontece dentro das instituições quando o modelo do jogos passa a organizar outras práticas sociais. Flusser condena a gamificação, o divertimento e o entreterimento como formas de domesticação do lúdico.

No entanto, a gamificação do aprendizado faz parte de transformarmos nossas vidas em aventuras de risco. O aprendizado das relações dentre o eu e o outro está se configurando como uma Jornada existencial. Para alguns a jornada do herói; para outros, da heroína.  'Aprendizado' é a prática e produto de aquisição e assimilação de ganhos simbólicos nas relações entre Eu e Outro. Por 'simbólico' entendo não apenas o conhecimento mas também a sabedoria; não apenas a informação mas também a incorporação de habilidades e o desenvolvimento de competências. 'Simbólico' também representa visibilidade, status, prestígio. O que, de modo secundário, também se aplica a ideia de aprender, como resultado de nossas interações. O aprendizado simbólico é a aquisição de repertório e da prática de performance. O jogo ensina a saber perder e a saber ganhar, a saber se colocar no lugar do outro, seja do ponto de vista interpessoal ou do intercultural, o jogo ensina a capacidade de adaptação e de diálogo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário